segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Itália ou "Diga como se estivesse comendo" ou "36 histórias sobre a busca do prazer".

De todos os livros que já li, poucos prenderam tanto a minha atenção quanto COMER, REZAR, AMAR, da autora Elizabeth Gilbert. A jornada de Liz em busca de si mesma, a maneira como reflete sobre cada lição e redescobre virtudes que ela achava ter perdido para sempre são um verdadeiro convite à auto-reflexão, ao auto-redescobrimento, e você percebe que sempre pode aprender um pouquinho mais sobre você mesmo.


Ah, mas o que mais me cativa é a maneira como a autora descreve os lugares e as situações que vivencia. Na sua busca por si mesma, ela decidi visitar três países: a Itália, a Índia e a Indonésia. O que esses três países têm em comum? A Letra I que, em Inglês, significa "EU".

Então eu parei de tentar escolher - Itália? Índia? Ou Indonésia? - e acabei admitindo que queria viajar para os três lugares. Quatro meses em cada lugar. Um ano ao todo. É claro que isso era um sonho um pouco mais ambicioso do que "Quero comprar um estojo novo para mim". Mas era o que eu queria. E eu sabia que queria escrever sobre isso. Não era nem que eu quisesse explorar em detalhes os países em si; isso já havia sido feito. O que eu queria era explorar em detalhes um aspecto de mim mesma em relação ao contexto de cada país, em um lugar que tradicionalmente fazia muito bem aquela coisa específica. Eu queria explorar a arte do prazer na Italia, a arte da devoção na Índia e, na Indonésia, a arte de equilibrar as duas coisas. Foi somente mais tarde, depois de admitir esse sonho, que percebi a feliz coincidência de que todos esses países começam com a letra I, que significa "eu" em inglês. Isso me pareceu um sinal bastante auspicioso para uma viagem de autodescoberta.
E foi com essa proposta pessoal que eu aceitei o convite de viajar junto com a Liz, pelas páginas de seus relatos e, se possível, também descobrir um pouco mais sobre mim mesmo. Nossa primeira parada é a Itália, o berço do movimentto renascentista e um país cuja linguagem foi minuciosamente escolhida, tal como a própria Liz vem nos contar.
 Bom, tenho que admitir que na parte estética da cidade, Liz deixou um pouco há desejar nas descrições. Ela chegou até a descrever algumas fontes e alguns lugares por sua extrema beleza, mas não com os olhos de uma artista. Entretanto, este não é o objetivo de nossa viagem, mas sim um bônus. O intuito de Liz foi redescobrir o verdadeiro sentido de prazer através da culinária italiana que é, de longe, uma das mais saborosas do mundo. É extremamente divertido essa curiosidade e a disposição com a qual ela busca pelo prato especial de cada cidade que visita na Itália. Um dos pontos mais legais dessa primeira parte é a magestosa pizza que Liz e sua amiga Sofie experimentam em sua visita à Nápoles.

Como eu poderia saber que é possível existir nesse mundo uma massa ao mesmo tempo fina e consistente? Maravilha das maravilhas! Ah, paraíso das pizzas finas, consistentes, fortes, boas de morder, deliciosas, elásticas e salgadas! Para completar, há um molho de tomate adocicado fervendo, borbulhante e cremoso que faz derreter a mozzarella de búfala, e o ramo de solitário de manjericão no meio do círculo de alguma forma dá a pizza inteira um brilho de ervas, mais uma festa empresta um toque de glamour a todos à sua volta. Você tenta dar uma mordida na sua fatia e a borda macia se dobra, e o queijo derretido escorre como um terreno que desliza, sujando você e tudo que está à sua volta, mas são os ossos do ofício.

Claro, nossa estada em Roma e nas demais cidades da Itália não consiste apenas no fato de comer uma fatia de pizza deliciosa de pizza por dia, quero dizer, não inteiramente pelo menos. Entre um gelato e outro, Liz faz muitos amigos, pessoas que muito a ajudam em sua viagem interior - embora ela se esforce ao máximo para manter isso em segredo.

Elizabeth também descobre que não se pode viajar para outro continente e deixar seus problemas guardados em caixas, em um quarto de entulhos no apartamento de sua irmã. Ela tem de encarar duas velhas inimigas: a Solidão e a Depressão. Eu mesmo, em minha assiduidade por relacionamentos amorosos, me pergunto se seria capaz de visitar uma cidade tão romântica quanto Roma estando sozinho e vendo todos aqueles casais apaixonados e o amor zunindo de forma inebriante ao meu redor, mas não para mim. 

Entretanto, a experiência de Liz me lembrou uma frase da qual muito gosto:

Navegar é preciso. Amar não.
Com tantas belas coisas para se desfrutar ao nosso redor, seja em Roma ou no Rio de Janeiro, por que o Amor ou a ausência dele tem que ser a coisa que define nosso estado de espírito? Acredito que fazer do Amor uma necessidade é a atitude mais errada que um ser humano pode cometer. E mais errado ainda e fazer desse sentimento uma corrento que nos prende à outrem, quando Amor deveria ser um laço a unir duas vidas.
Outra coisa que me chamou a atenção é justamente o momento que Liz descobre que sua maior aliada na luta contra a depressão é justamente ela mesma. Num momento comum, ela acaba se depara com o próprio reflexo em um espelho e seu cérebro lhe diz que trata-se de uma pessoa conhecida, uma pessoa amiga. Liz então corre ao encontro de si mesma, na esperança de saudar, de estreitar mais os laços com seu íntimo. Quando li essa parte, reconheci o imenso sentido que existe nessa atitude e, mais uma vez, reconheci nosso erro em ter tanta devoção nas outras pessoas para que aparem nossas quedas e aliem nossas arestas, quando a primeira pessoa em toda a Terra que deveria estar atenta a isso somos NÓS MESMOS.

Buscar o verdadeiro sentido do prazer. Muita gente acredita que essa palavrinha, prazer, está ligada a outra ainda mais curtinha: sexo. Bom, talvez estejam certos, as duas palavras têm uma certa intertextualidade, mas sexo não é o único significado de prazer. Acredito que o verdadeiro significado, o sentido mais próximo de prazer é simplesmente aquilo que nos satisfaz, que nos deixa felizes por determinado espaço de tempo. Ler um bom livro, assistir um bom filme, comer algo saboroso ou aprender um novo idioma (como no caso de Liz) são alguns exemplos de pequenas coisas que nos mostram que o prazer também se extrai de coisas simples e, por que não, individuais. Mais uma prova de que muitas coisas em nossas vidas são mais dependentes de nós mesmos do que dos outros.
"Então fique sozinha, Liz. Aprenda a lidar com a solidão. Acostume-se a ela, pela primeira vez em sua vida. Bem-vinda à experiência humana. Mas nunca mais use o corpo ou as emoções de outra pessoa como um modo de satisfazer seus próprios anseios não realizados."
Nessa viagem à Itália, Liz visita um famoso ponto turístico, o Augusteum. Trata-se do mausoléu construído por Otaviano Augusto para abrigar seus restos mortais e os de sua família, por toda a eternidade. Só que as cinzas do Imperador romano foram roubadas pouco antes do séulo XII - não se sabe como e nem quem é o autor do crime. Mas o fato é que, depois disso, o Augusteum teve muitas outras serventias que não um mausoléu: foi o refúgio  da poderosa família Colonna, na tentativa de fugir dos inúmeros ataques de príncipes guerreiros; foi transformado em um vinhedo e, logo depois, em um jardim renascentista, depois em praça de tourada, depósito de fogos de artifício e até em uma sala de concertos.

 
Por fim, em 1930, o líder fascista Mussolini confiscou a propriedade para transformá-la novamente em um mausoléu, para que ali fossem guardados os restos mortais do próprio ditador - muito embora o Augusteum não tenha sido usado para este fim. E então ele foi esquecido, mesmo com toda uma cidade crescendo e fervilhando seu redor. O Augusteum ainda permanece em silêncio, guardando os segredos de todos os séculos que viveu.
Liz reflete sobre o assunto e chega à uma interessante conclusão: no final das contas, a vida não é tão caótica assim. É apenas este mundo que é caótico e nos traz mudanças que ninguém poderia ter previsto. Esse monumento nos alerta para que não nos apeguemos a nenhuma idéia inútil sobre quem somos, o que representamos, a quem pertencemos ou qual função fomos criados para executar. Porque você pode começar um ano de sua vida como um glorioso mausoléu, e terminar este mesmo ano sendo apenas um depósito de fogos de artifício. Para estas ou para outras, é preciso sempre estar preparado para as constantes e intermináveis ondas de tranformações.

Ainda nessa busca pelo prazer, Liz e eu temos algo em comum: gostamos de copiar aquilo que traz prazer aos outros. Quero dizer, ela fica extremamente empolgada com uma moça australiana que está viajando de mochilão pela Europa, a caminho Eslovênia. Liz automáticamente se pergunta: Por que eu nunca viajo para lugar nenhum? Eu quero ir à Eslovênia. Eu, por minha vez, percebi que ler este livro está me dando uma imensa vontade de aprender mais sobre a cultura Italiana, e não duvido nada que eu vá me encantar pela Índia e pela Indonésia também, quando eu e ela estivermos visitando estes países, mas não consigo controlar. Estou sendo tomado por uma louca vontade de aprender, de descobrir, de conhecer outras culturas. De repente, eu estou tendo que lidar com uma irrefreável vontade de conhecer todos os países do mundo, de aprender a cultura e a língua de cada um deles e depois levar isso ao mundo. Se tornou um hobbie para mim, tanto é que na semana passada entrei em uma livraria e comprei três guias de viagem: um sobre Nova York, outro sobre Londres e outro ainda sobre Tóquio. Ao folhear estes livros, senti-me próximo do prazer de realizar um pedacinhoso dessa nova ambição, mesmo não podendo ainda visitar estes e outros países.
 
Liz tem um amigo muito inteligente, o Giulio. É ele que, durante uma conversa em um dia de chuva, revela à Liz um fato que me deixou intrigado.
- Você não sabe que o segredo para entender uma cidade e seus habitantes é aprender qual é a palavra da rua?
E ele explica que toda cidade tem uma única palavra que define, que identifica a maioria das pessoas que mora ali. Se fosse possível ler o pensamento de cada uma das pessoas que passam por nós nas ruas de qualquer cidade, descobririamos que a maioria delas está tendo o mesmo pensamento. Qualquer que seja o pensamento da maioria - essa é a palavra da cidade. E, se a sua palavra pessoal não combinar com a palavra da cidade, então ali não é realmente o seu lugar.

Giulio diz à Liz que a palavra de Roma é SEXO. Liz, como uma americana, diz à Giulio que as palavras de Nova York e de Los Angeles são, respectivamente CONQUISTAR e CONSEGUIR e a própria Liz então chega á conclusão de que sua viagem se fez necessaria porque sua palavra interior não se encaixava mais com as palavras da cidade onde vivia. Aliás, ela também sente que seu coração não reside em Roma, já que sua conexão com a cidade não está ligada ao Sexo, e sim ao descobrimento literal do prazer. Essa é a maior necessidade que a motiva em continuar sua viagem, dessa vez rumo à Índia.

Liz reflete por um tempo, tentando identificar qual seria sua palavra. CASAMENTO? FAMÍLIA? PRAZER? DEVOÇÃO? ESCONDER? SEXO?
Não. Definitivamente, nenhuma dessas palavras. Na verdade, ela acaba chegando a conclusão de que não apenas desconhece sua própria palavra, como também tem a consciência de que esse ano de viagem do qual o livro trata também propõem esse tema: descobrir sua palavra interior, pessoal.

Eu pensei um pouco também, sobre qual seria minha palavra. À princípio, também pensei como Liz, em FAMÍLIA, mas percebi que meu amor e meus sacrifícios não se estendem à todos os membros da minha árvore genealógica. Pensei em GENEROSIDADE, mas então fui invadido por dezenas de lembranças dos meus comportamentos egoístas. Pensei em DISPOSIÇÃO, mas lembrei de todas as vezes em que a preguiça me sucumbiu. Pensei em INTENSIDADE, mas lembrei de todas as vezes em que não pintei, não escrevi, não cantei, não falei ou interpretei como sou capaz de fazer. Pensei em APRENDER, ou CONHECER, mas descobri que ainda julgo muito rápido aquilo que não conheço e que ainda sou um pouco fechado ao que o mundo ao meu redor me diz.

Foi aí que entendi. Minha palavra veio à tona, como uma bolha de ar que vem subindo do fundo ocenao, prestes a emergir e se juntar ao ar da atmosfera: TRANSFORMAÇÃO. Porque estou sempre indo à vários lugares, porque estou sempre conhecendo novas pessoas, porque estou sempre vivenciando novas situações e tento aprender com cada uma dessas coisas. Estou sempre ouvindo as pessoas que amo dizendo que estou diferente, que estou mais adulto, mais maduro, muito embora eu me veja como uma criança impaciente. Mas a paixão que tenho pelo mundo e pelo que nele vive, minha vontade de pegar todo o conhecimento, toda a cultura, todos os dons e ofícios e abrigá-los dentro de mim, tudo isso não poderia me traduzir em outra palavra senão está: TRANSFORMAÇÃO.

"Cheguei à Itália abatida e magra. Ainda não sabia o que eu merecia. Talvez eu ainda não saiba totalmente o que mereço. Porém, o que sei é que, ultimamente, eu me recuperei - graças à alegria de prazeres inofensivos - e tornei-me alguém muito mais intacto. A maneira mais difícil, mais fundamentalmente humana de dizer isso é que eu engordei. Existo mais agora do que há quatro meses atrás. Deixarei a Itália perceptivelmente maior do que quando cheguei aqui. E irei embora com a esperança de que a expansão de uma pessoa - a ampliação de uma vida - seja realmente um ato de valor neste mundo. Mesmo que essa vida, só dessa vezinha, por acaso seja apenas minha e de mais ninguém."
Eu cheguei ao Rio de Janeiro completamente desnorteado e confuso quanto a minha própria personalidade. Havia algo estranho dentro mim, como uma mistura entre o que eu já fui um dia e uma tempestade de coisas que eu nunca quis ser. Embora eu tenha conquistado muitas das coisas com as quais sempre sonhei (como fazer parte de uma banda, cantar em um palco para mais de quatrocentas pessoas e viver um romance dos sonhos), eu ainda não estava plenamente feliz, e estava começando a fazer coisas que não faria em meu íntimo comum.
Depois de um ano vivendo no Estado Carioca, [re]descobri muito mais sobre mim mesmo. Entendi que não existo simplesmente, mas que estou vivo, e isso me dá uma importância única, singular. Eu percebi que posso e devo desempenhar um papel neste mundo, que posso fazer uma pequena parte para melhorar a mim mesmo e, assim, um pedacinho do mundo ao meu redor. É como olhar para um enorme quebra-cabeça e perceber que existe uma peça em minhas mãos, e que cabe a mim e somente a mim colocá-la junto às outras. Claro, a paisagem só estará completa e perfeita quando toda a humanidade resolver colocar suas peças junto às nossas também. Eu não sei quanto tempo isso vai demorar, mas talvez, quando eles perceberem o delicado esplendor de um mundo melhor bem ao alcance deles, eles estedam suas mãos e, completando sua parte, se juntem à nossa dança.



 

3 comentários:

  1. esse texto me deu vontade de ler esse livro e mais que isso, vontade de viajar o mundo e mudar a minha visão por vezes superficial demais outras vezes cética demais. gostaria mesmo de ver o mundo e realmente encherga-lo, mas como não posso ve-lo por completo, me contento em ver o meu mundo. meu pequeno, singular e pacato mundo tentando fazer a diferença quem sabe nesse, pra que ele , tendo quem sabe eu como motor, possa se mover pra mudar um outro mundo. outra parte do globo, quem sabe assim... todos nos "juntemos nessa dança"

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  2. Oláá!
    Nossa, realmente, seu post está instigante!
    Além do livro, soube que tem um filme né?
    Acho que já sei qual será minha próxima leitura. hehe.

    =)

    Obrigada por sua visita ao meu Mundo. ^^
    Obrigada também pelos parabéns e te desejo muita sorte, pra que também tenha boas notícias!

    Volte quando quiser, será bem vindo, sem dúvidas!
    Estou seguindo aqui e passarei mais vezes!

    Beijos e Queijos! ;*

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  3. Thiago, bela resenha, você soube levantar boas questões do livro, sem dúvidas é uma grande obra, e acredito também, que as pessoas que lerem seu post ficarão com uma certa curiosidade sobre o livro. Muito bom!

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